sábado, 2 de outubro de 2010

Era um conto de fadas como um outro qualquer: um príncipe, uma princesa, um amor intenso e transfigurado. A diferença é que eles não foram felizes para sempre. Isso porque ele disse que não poderia mais ficar e a deixou com um caminho longo demais a ser percorrido. Ele passou meses tentando, sem sucesso, prepará-la para o momento derradeiro. A verdade, todavia, é que poderiam ser anos. Ela jamais estaria pronta para dizer adeus. Ela testemunhou a resistência dele em deixá-la. Seria injusto dizer que ele não resistiu até o último momento. Ele, porém, já tão cansado, deixou-se levar para qualquer outro lugar. E sem mencionar o novo endereço. Restou a ela uma vida inteira pela frente. Ele a fez assim. Soube reformá-la, retificá-la, transformá-la. Segundo ele, ela era o seu maior orgulho. Só que isso não foi suficiente. Ele partiu sem dizer uma única palavra. Ele tão somente esperou ela chegar. Não houve uma troca de olhares. Apenas discretas lágrimas involuntárias. Nada, a partir de agora, será como antes, até mesmo porque ele não fez questão de levá-la consigo, conquanto esqueceu sua alma no meio da confusão dela. Ele chegou a ser o príncipe azul, o sonho cor-de-rosa e o moço dos contos de fada. Ele foi o homem da casa, o gestor dos negócios e o vizinho encrenqueiro. Ela, ainda, houve os gritos dele, sente seus movimentos e escuta seus passos. Pior: ela insiste em ouvir sua respiração. E, provavelmente, ouvirá para sempre. Ele decidiu que ela ganharia uma vida, enquanto alguns duvidavam que ela realmente merecesse essa chance. Ele a ensinou a escrever e a contar em diferentes línguas, sem esquecer, é claro, das lições de geometria. Ele deu a ela uma segunda oportunidade quando a doença a acometeu. Ele a ensinou a distinguir o bem do mal, a prezar pela qualidade em detrimento da quantidade. Ele deu a vida para ela e a presenteou com um mundo. E, agora, que ela não o verá mais, os seus planos parecem perdidos. Ela já não consegue distinguir lágrimas de orações. Aquele coração, antes machucado, ferido e partido, parece ter sido sequestrado de vez. E não há preço algum apto a resgatá-lo. Ela não há de imaginar os seus dias sem ele. Ela, sem ele, não é ninguém. Porque o amor deles foi assim desesperado. Aos berros, em altos decibéis. Afixado em cartazes. Gritado a todo o mundo.